quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Diário de um Pai - por Henrique Raposo


In Expresso

Esta semana, a pátria teve um leve sobressalto quando viu a taxa de natalidade, mas o assunto voltou rapidamente à colecção de não-assuntos. Eu compreendo: se começassem a falar de apoios à natali­dade, políticos, jornalistas e comentadores ainda perdiam, coitadinhos, as credenciais progressistas. Como se sabe, esses assuntos são coisas de fachos e reaças, e há que manter a feira das vaidades moderninhas e pós-moderninhas até ao fim. Mas, se não se importam, eu gostava muito de deixar um post-it reaça no frigorífico progressis­ta da pátria: se nada for feito ao nível das políticas de família, Portugal vai atravessar um inverno demográfico que criará a tempestade perfeita. A actual crise é um pequeno aguaceiro ao pé do “Sandy” demográfico que estamos a cozinhar.

Eu não exijo capas esvoaçantes e um S no peitoral, mas acho que ser pai nesta terra já deve dar para entrar na escolinha dos super-heróis. Até porque o tal Estado social não existe neste cam­po. Já sou pai, e continuo sem ver o Estado social. Começo a achar que este ser omnipresente mas invisível é um daqueles clubes selectos que exigem sangue azul ou coisa parecida. É que encontrar uma creche financeiramente acessível é como encontrar um homem honesto no Parlamento. As IPSS de bairro são, sem dúvida, a melhor solução, mas repare-se na perversão do sistema: se tiver um rendimen­to mensal de 2250 euros, o casal já pa­ga a mensalidade máxima, cerca de 400 euros. É outra renda, que se junta à renda da casa e à renda das fraldas, medicamentos, pediatra, brinquedos, leite de transição, frutinha, sopinha, roupinha e o cartão de sócio do Benfica. Como se tudo isto não fosse suficiente, os mais velhos dizem-me que o sistema fiscal não valoriza os filhos na declaração de rendimentos.

Eu não sei onde é que anda o Estado social, mas sei que o dito não está no sítio que deveria ser a sua primeira prioridade: as crianças, a formação da família, a saúde demográfica da sociedade. Há muito Estado e pouco social no tal Estado social. Num país esmagado por impostos e pela despesa pública, é incompreensível esta ausência do Leviatã no mundo fofo das babás. Mas, afinal, para onde é que vai o dinheiro dos nossos impostos? 0 Estado fica com metade da nossa riqueza e, mesmo assim, é incapaz de apoiar como deve ser a rede de creches já instalada. Repare-se que não é preciso colocar a Mota-Engil a fazer uma rede de creches estatais. Basta apoiar e expandir as IPSS que já estão no terreno. A fim de diminuir as mensalidades dos pais, estas instituições deviam receber mais dinheiro dos nossos impostos. Se não serve para apoiar as crianças e as famílias, se não serve para garantir o futuro, o Estado social serve exactamente para quê?