quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Pílula do dia seguinte

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1. A pílula do dia seguinte (pds) ou contracepção de emergência

A PDS é um fármaco à base de hormonas feito para ser ingerido no espaço de 72 horas após uma relação sexual, potencialmente fértil, susceptível de dar início a uma gravidez. Quando a droga chega à corrente sanguínea, as altas doses de hormonas alteram o delicado equilíbrio hormonal que é necessário para que a mucosa uterina acolha o embrião humano eventualmente concebido. Por isso, no caso de ter havido concepção (fecundação ou fertilização) o ser humano, na sua fase embrionária, não consegue implantar-se no endométrio, modificado pelo fármaco, e é expulso do útero, vindo a perecer. Somente no caso de ser tomado antes da ovulação é que pode prevenir a produção do óvulo e funcionar como “contraceptivo”. No entanto, o facto de uma mulher, quando toma a PDS, não saber se a concepção ocorreu ou não, não muda a relevância moral da questão: a pílula é tomada para impedir a continuação da gravidez, caso a concepção tenha ocorrido, e não para impedir a concepção.

A PDS é, portanto, uma autêntica técnica abortiva na intenção e no efeito possível. Trata-se de uma droga que não serve para curar nenhuma doença, mas sim para acabar com a vida incipiente de um ser humano. O que objectivamente se procura, pois, é provocar o aborto precoce.

A distinção usada pelos cientistas entre «óvulo fecundado», «embrião»e «feto» para efeito de distinção das diferentes fases de um mesmo processo não pode ser usada para distinguir entre o «valor» das diferentes fases de desenvolvimento do mesmo ser humano. A concepção ocorre quando um espermatozóide penetra um óvulo e se juntam os materiais genéticos do pai e da mãe. Com efeito «desde o momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é a do pai nem a da mãe, mas a de um novo ser humano que se desenvolve por si mesmo. Nunca viria a tornar-se um ser humano se não o fosse desde esse momento. A esta evidência de sempre ... a ciência genética trouxe uma preciosa confirmação. Mostra que desde o primeiro instante se encontra fixado o programa do que será este ser vivo: uma pessoa, um indivíduo com as suas características bem determinadas». (Evangelium Vitae 60, citando Congregação da Doutrina da Fé, Declaração sobre o aborto provocado, 18 de Novembro de 1974, nn 12-13).

-(Considere-se ainda o seguinte: «O zigoto (ou embrião precoce) existe e actua, desde o mo¬mento da fusão, como uma unidade, quer dizer como um ser ontologica¬mente uno. O zigoto é uma célula intrinsecamente orientada e destinada a uma evolução bem definida e precisa: orientação e destino devidos essen¬cialmente ao genoma ou informação genética de que o zigoto está dotado. Devemos aqui recordar em particular as propriedades específicas que este genoma imprime. Trata-se de uma estrutura que confere uma identidade es¬pecificamente «humana»: revela-o um simples exame dos seus cromossomas ... . Uma estrutura que o distingue de todos os outros zigotos humanos: uma atenta análise molecular do genoma demonstraria a sua singularidade, que, sendo permanente (ainda que se admitam mutações casuais) pode considerar-se correctamente parte constitutiva da sua identidade individual. É uma estrutura essencial, necessária (ainda que não suficiente) para o desenvolvimento do novo sistema: nela, para usar uma analogia apropriada, estão escritos um plano e um programa para o desenvolvimento ordenado, rigorosamente orientado e intrinsecamente dirigido do novo ser, de cuja actuação surgirá um corpo determinado, com uma determinada figura hu¬mana. É, finalmente, uma estrutura que dota o zigoto de enormes potencialidades diferenciais e morfogenéticas que se desenvolverão autónoma e gradualmente durante todo o processo epigenético: potencialidades que não indicam uma pura possibilidade de ser, mas uma actual capacidade de real¬ização gradual de um ser já existente que, por uma lei intrínseca, se deve auto-construir na base do plano-programa que traz em si. ... Com a fusão dos gametas uma nova célula humana, caracterizada por uma nova e ex¬clusiva estrutura informativa, começa a actuar como uma unidade individ¬ual.» ( A. SERRA, Comentario interdisciplinar a la «Evangelium Vitae»,pp. 577-578, BAC, 1996). Portanto «desde o momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma vida que não é a do pai nem a da mãe, mas sim a de um novo ser humano que se desenvolve por si mesmo ... Com a fecundação inicia-se a aventura de uma nova vida humana, cujas grandes capacidades, já presente cada uma delas, apenas exigem tempo para se desenvolver e poder actuar» (Envagelium Vitae, 60). Por outras palavras, o zigoto, o embrião, o feto não são potencialmente um ser humano, mas sim um ser humano com potencialidades. Acresce que, com a filosofia e a teologia, devemos afirmar que «um embrião unicelular com um específico genotipo humano constitui matéria muito bem disposta para ser sujeito apropriado da alma humana intelectual, a matéria da qual tal alma é a forma substancial ... Portanto, somos pessoas humanas desde o momento da concepção» (A. SERRA, opus cit., 596-597,citando S. J. HEANY). De facto, «como poderia um indivíduo humano não ser uma pessoa humana?» (EV 60). Segundo E. Sgreccia, Vice Presidenteda Academia Pontifícia Pro-Vida, esta interrogação equivale a uma afirmação categórica da pessoalidade de todo o ser humano desde o seu início até ao seu termo). -

É um novo ser humano que progride através de fases de desenvolvimento, tal como um bebé se torna criança, depois adolescente, em seguida jovem, mais tarde adulto. É certo que a sua viabilidade é nesses momentos, prévios à implantação, mais baixa do que nas etapas posteriores da sua existência e muitos embriões humanos incipientes, devido a acidentes naturais, não vingam. Mas isso não autoriza ninguém a, consciente e voluntariamente, eliminá-los. Todos nós passamos por essa situação de debilidade e vulnerabilidade vital e, certamente, que estamos agradecidos por ninguém ter posto fim, naqueles momentos, ao decurso natural da nossa vida impedindo-nos de vir a nascer. Isso teria sido um crime abominável. A vida humana tem de ser sempre respeitada e defendida, em especial e com maior cuidado quando é fraca, inocente e desprotegida.

A PDS é uma substância à base de hormonas que não é inócua para a mulher. De facto, uma vez que tem como finalidade impedir o desenvolvimento de uma possível concepção já realizada, a sua concentração hormonal é muito superior à dos contraceptivos. Por isso, a ingestão desta droga constitui uma agressão hormonal à mulher que lhe pode causar graves problemas de saúde, inclusive a própria morte.

(Cfr. 1. La «Píldora del Día Siguiente», Nueva Amenaza Contra la Vida, Nota de la LXXVI Asamblea Plenária de la Conferencia Episcopal Española, 27 de Abril de 2001; 2. Nota de la Subcomisión para la Família y la defensa de la Vida de la Conferencia Episcopal Española sobre la “Píldora del Día Siguiente”, Madrid, 12 de Diciembre de 2000; 3. Uganda Bishops' Letter on "Morning After" Pill, (Assinada por Emmanuel Card. Wamala Archbishop of Kampala Prelate of the Catholic Church in Uganda), The "Emergency Contraceptive Pill -- ECP": An Appeal to Reason and Sincerity, Kampala, 23rd March 2001).

2. A grande fraude

A fraude consiste no seguinte:

a) em estabelecer arbitrariamente, como adiante veremos, que a gravidez começa não na fecundação mas sim na nidação;

b) em definir o aborto provocado (isto é, a morte deliberada e directa, independentemente da forma como é realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção [fecundação ou fertilização] ao nascimento) como «interrupção voluntária da gravidez»;

c) em concluir que a PDS não é abortiva, uma vez que, ao impedir a implantação do ser humano, no seu estado embrionário, na parede do útero da mãe, não «interrompe» a gravidez, nos termos em que abusivamente a definiram.

d) Em apelidar de medicamento uma substância que não tem por efeito curar, mas sim matar.

O truque é velho, a manipulação da linguagem precede a manipulação social.

Que a vida humana começa no momento da fecundação é um facto não só reconhecido pela ciência, mas também pelos que advogam o aborto. Porém, a dissimulação faz parte da estratégia abortófila. Negam perante os outros aquilo que lhes é evidente:

«Não lhes chameis bebés [aos nascituros]. Fazei de conta que o não são. Uma vez admitido que o sejam, as vossas argumentações poderiam ser vistas por aquilo que realmente são: razões para o infanticídio.»
(Regra principal dos abortófilos nos USA, In RANDY ALCORN, «Dalla Parte Della Vita, Astea, 1994, p. 38).


No entanto às vezes escapa-lhes, publicamente, a boca para a verdade. Num editorial pró-aborto no ‘California Medicine’ escreve-se: «Dado que a antiga ética não foi inteiramente varrida, foi necessário separar a ideia de aborto da de morte, pois esta continua a ser socialmente detestável. O resultado é uma singular negação do dado científico, patente a todos, de que a vida humana se inicia na concepção.»
(«A New Ethic for Medicine and Society», editorial, in California Medicine, Setembro 1970, p. 68).

Noutro editorial o New Republic declara: «Não há claramente nenhuma distinção lógica ou moral entre um feto e um pequeno bebé; a possibilidade livre de abortar não pode ser racionalmente distinguida da eutanásia. Apesar disso nós somos a seu favor.»
(«The Unborn and the Born again», editorial, 2 Julho 1977, p. 6).

Também a psicóloga abortófila M. Denes escreveu: «Penso verdadeiramente que o aborto seja um homicídio de uma qualidade muito especial ... . E nenhum médico nele envolvido se pode enganar a si mesmo a esse respeito.»
(MAGDA DENES, «The Question of abortion», in Commentary, nº 62, Dezembro 1976, p. 6).

De facto, como se pode verificar pelas citações que se seguem, desde há muito que os médicos que advogam o aborto sabem, e reconhecem como uma evidência, que a vida do ser humano, e portanto a gravidez, começa na concepção e que impedir o embrião humano de se implantar no útero é abortá-lo: o Dr. Abraham Stone, da «Planned Parenthood» -( Planned Parenthood ou International Planned Parenthood Federation é, como tem sido referido abundantemente noutros escritos, a segunda maior ONG do planeta (sendo que a primeira é a Cruz Vermelha) e a maior promotora do aborto no mundo inteiro. Tem colaborado activamente no programa chinês “cada casal um só filho” e no novo imperialismo dos controladores populacionais através da contracepção, da esterilização e do aborto. O ramo português desta organização é a APF)- , salientou, em 1952, que qualquer método biológico, mecânico ou químico, «... que impeça a ovulação ou a fertilização apenas evita que a vida se inicie ... Medidas destinadas a impedir a implantação caem numa categoria diferente. Aqui suscita-se a questão da destruição de uma vida já iniciada.»
(Abraham Stone, M.D., "Research in Contraception: A Review and Preview,”presented at the Third International Conference of Planned Parenthood, Bombay, India Report of the Proceedings, November 24-29, 1952, no copyright, Family Planning Association of India, 101).


Mas por uma questão de estratégia procura ocultar-se a verdade: em 1962 a Dr. Mary Calderone, então Directora Médica da «Planned Parenthood» (Ramo USA da IPPF), disse que «se se revelar que estes dispositivos intra-uterinos actuam como abortivos, não se levantará apenas a Igreja [sic] Católica contra eles, mas também as igrejas [sic] Protestantes.»
(Dr. Mary Calderone, discussion, Mechanisms of Contraceptive Action," in Intrauterine Contraceptive Devices: Proceedings of the Conference, held April 30-May 1, 1962, New York City, ed. C. Tietze and S. Lewitt, published by Excerpta Medica Foundation, 110).

Ora, adianta R. W. Kistner, «os nossos esforços, para controlar o crescimento da população, não deveriam conduzir a sentimentos generalizados de culpa quanto à metodologia. Seria trágico se um comprimido eficaz para uso pós-coito ou um agente progestagéneo de efeito prolongado fossem declarados ilegais por causa dos seus efeitos abortivos.»
(Robert W. Kistner, MD, The Pill, Delacourt Press, 1969, p. 248).

Já o Departamento federal de Saúde, Educação e Segurança Social, nos USA, tinha alertado: «todas as medidas que impedem a viabilidade do zigoto desde o instante da fertilização até ao termo do parto constituem, em sentido estrito, formas de induzir o aborto. A administração a seres humanos de compostos, cujo mecanismo de acção tenha este carácter, seja para efeitos de investigação, seja como técnica prática de controlo da natalidade, suscita questões legais que, até ao momento, não estão resolvidas.»
(A Survey of Research on Reproduction Related to Birth and Population Control (as of January 1, 1963) US Department of Health, Education, and Welfare, Public Health Service, page 27).

Não lhes basta porém manipular ocultando, decidem mesmo manipular falsificando. De facto, o investigador sueco Bent Boving, num simpósio conjunto da «Planned Parenthood-Population Council», em 1959, advogou que «a possibilidade de preservar a vantagem social de que a prevenção da implantação venha a ser considerada uma forma de evitar a concepção e não de destruir uma gravidez já estabelecida poderá depender de uma coisa tão simples quanto um prudente hábito de linguagem.»
(Bent Boving, "Implantation Mechanisms," in Mechanisms Concerned with Conception, ed. C. G. Hartman (New York: Pergamon Press, 1963), 386. Boving acknowledged (p. 321)).


No simpósio do «Population Council», de 1964 o Dr. Samuel Wishik relevou que a aceitação ou a rejeição do controlo da natalidade dependeria da possibilidade de ele causar aborto precoce. O Dr. Tietze, membro da «Planned Parenthood»e do «Population Council» propôs, como estratégia de relações públicas, «não afligir aquelas pessoas para quem isto é uma questão de grande importância». Adiantou, ainda, que os teólogos e os juristas sempre tenderam a considerar os consensos biológicos e médicos dominantes do seu tempo como a verdade dos factos e que, assim, «se se formar e estabelecer um consenso médico segundo o qual a gravidez, e portanto a vida, se inicia com a implantação, os nossos pares de outros ramos acabarão por aceitá-lo.»
(Proceedings of the Second International Conference, Intra-Uterine Contraception, held October 2-3, 1964, New York City, ed. Sheldon Segal, et al.., International Series, Excerpta Medica Foundation, No. 86, page 212).


Em 1965 o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG) reagiu com a sua própria resposta semântica: «A Concepção é a implantação do óvulo fertilizado.»
(ACOG Terminology Bulletin, Terms Used in Reference to the Fetus, Chicago, American College of Obstetrics ad Gynecology, No. 1, September 1965).


Nem todos aceitaram estas manipulações. O Dr. Richard Sosnowski, manifestamente incomodado, exprimindo o desconforto de muitos, afirmou-se perturbado «... por, sem fundamentação científica que validasse a mudança, a definição de concepção enquanto penetração espermática bem sucedida num óvulo ser redefinida como a implantação de um óvulo fertilizado. Parece-me que a única razão para isto é o dilema colocado pela possibilidade de o dispositivo intra-uterino de contracepção poder funcionar como abortivo.»
(Dr. Richard Sosnowski, head of the Southern Association of Obstetricians and Gynecologists "The Pursuit of Excellence: Have We Apprehended and Comprehended It?" American Journal of Obstetrics and Gynecology, vol. 150. No. 2 (September 15, 1984) 117).

3. A pds e a Democracia

A Democracia consiste no reconhecimento da igual dignidade de todo o ser humano e na sua tutela. Quando o Estado não só renuncia a defender uma parte dos seres humanos, os nascituros, como coopera activamente, através dos seus serviços, na sua eliminação/morte, então já não se pode falar de um Estado de Direito, mas sim de um Estado tirano que, apesar de manter as regras formais da democracia, de facto, substancialmente, é um Estado totalitário (cf. João Paulo II, Evangelium Vitae, 20).

Nuno Serras Pereira
16. 09. 2002