quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Javardo

Vai para quinze anos que ao ser chamado a uma terra perto de Minde para acompanhar uma peregrinação de 120 jovens a Fátima me vi na circunstância de em muito pouco tempo ter de lhes falar sobre a confissão e depois atendê-los. Que dizer nos breves minutos de que dispunha? Comecei então por uma pergunta retórica: que é um rapaz de 15 anos? E logo adiantei a resposta: é um javardo, imundo e sebento. As calças de ganga rotas e esfarrapadas, o cabelo empastado em caspa, três pêlos a despontar no buço, os dentes amarelos e esverdeados, o hálito asqueroso, um fedor dos sovacos intolerável, um pivete a chulé nauseabundo. A mãe num desespero instando com ele: ó filho vai te lavar que ninguém pode estar ao pé de ti; e ele rosnando: ó mãe não me chateie! Ó filho olha que tu apanhas sarna; ó mãe não me chateie! Ó filho assim nenhuma cachopa te quer; ó mãe não me chateie! Ai filho que ainda ficas leproso; ó mãe não me chateie!

Um dia este rapaz ia na rua quando viu uma rapariga, que até andava no liceu, e como se fora apanhado por um choque eléctrico todo o seu corpo exulta, os olhos, como se estiveram desorbitados, colam-se à rapariga, até que ela desaparece numa esquina, ficando então a sua imagem impressa, estampada na sua memória e na fantasia. Como um sonâmbulo que olha para as coisas sem as ver, enxergando tão só a figura interior, dirige-se para casa, toca a campainha, a mãe abre a porta e ao vê-lo tapa rapidamente o nariz e olhando-o de esguelha diz: ai és tu filho, entra… Ele, surdo e cego para o que o rodeava nem respondeu. Fechou-se na casa de banho. Tomou 200 banhos de imersão, 100 de chuveiro, gastou 10 litros de champô, 70 sabonetes, lavou os dentes com palha-de-aço pois aquilo já não ia de outra maneira, roubou e encharcou-se nos perfumes da mãe, rapou o buço com a gillete que gamou ao pai, despejou os after-shave, foi ao guarda-fatos do pai e escolheu um com a gravata a condizer.

No dia seguinte quando apareceu no liceu os amigos só depois de algum tempo o reconheceram, perguntando-lhe então: eh pá! O que é que te aconteceu!? Ao que ele retorquiu com aquela voz misturada de agudos e graves própria da puberdade: pá a mim não me aconteceu nada, pá!
Ai não, que não aconteceu…

O rapaz representa-nos a nós, a nossa alma, a nossa interioridade. A javardice, o pecado. A mãe, a Igreja que nos chama ao arrependimento e à confissão. A resposta do filho, os nossos preconceitos e fugas: aqui d’ el-rei que o Papa é reaccionário, a Igreja é conservadora e fundamentalista. A rapariga, o encontro com Jesus Cristo Ressuscitado. O banho, a confissão. O fato, o homem novo, revestido da graça de Deus.
Desde aquele dia tenho-me servido muitas vezes desta narrativa, que me veio de repente, quando falo aos adolescentes e jovens. Não saberei dizer porquê mas eles acorrem à confissão.

Nuno Serras Pereira

22. 10. 2008